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PALESTRANDO

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Número 33 – Edição 01 – Terra Nova, janeiro 2004
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Para falarmos sobre a Indústria da cana de açúcar no Brasil, mais especificamente no Recôncavo, façamos uma reflexão sobre as expedições portuguesas e seus interesses no oceano Atlântico.
O cenário se compõe da Europa (com ênfase a Portugal), África, e Índia.
Portugal, um país europeu, buscava através das suas expedições alcançar as Índias, de onde provinham os principais produtos que abasteciam a Europa.
Para chegar às Índias, as expedições portuguesas teriam que passar pelas costas da África navegando pelo oceano Atlântico e alcançar o oceano Índico. Segundo os historiadores, foram 85 anos de tentativas, até que, em 1498 (21 de maio), Vasco da Gama, após atravessar o cabo da Boa Esperança, sul da África, chegou às Índias, aportando em Calicute.

Sempre uma razão comercial precedia uma descoberta. No momento em que Vasco da Gama descobriu um novo caminho para as Índias, o comércio com o continente europeu ficou facilitado. Até então era feito, com dificuldade, somente pelo interior da África. A busca por essa rota originou constantes lutas físicas e diplomáticas entre portugueses, espanhóis, holandeses e ingleses.

Mas o que teria isso tudo com o Brasil, com os engenhos?

Naquela época o Brasil ainda não tinha sido descoberto, mas a história mostra uma relação entre a viagem de Vasco da Gama e o descobrimento. Já era do conhecimento dos portugueses, de expedições anteriores, que, numa determinada altura da viagem, para se dobrar o cabo das Tormentas ou da Boa Esperança, os navios deveriam se afastar bastante da costa africana, experiência conseguida, por acaso, em virtude de uma forte tempestade (fins de 1487), pela frota de Bartolomeu Dias, que ficou à deriva quase três meses. Passado o incidente, o navegador percebeu que havia transposto o continente africano.

Foi com o afastamento, “a volta do mar”, efetuado intencionalmente na viagem, que Vasco da Gama concluiu estar próximo de terras, a oeste da costa da África. A conclusão se baseou na forma como voavam as aves marinhas, -”em meio às imensidões do Atlântico, Gama e seus homens se depararam com ‘aves como garções’ que voavam ‘muito rijas’ , como aves que iam para a terra” O Descobrimento das Índias, pág. 11, Eduardo Bueno- para os navegadores um grande indicativo. Foi registrado o fato e a posição geográfica (cerca de dois mil quilômetros a oeste das ilhas de Cabo Verde).

Dois anos depois, Pedro Álvares Cabral, noutra expedição às Índias, resolveu desviar sua rota e seguir as indicações das aves marinhas, que o levaram às terras desconhecidas, às quais deu nome de Porto Seguro, fato ocorrido em 22 de abril de 1500, data que ficou registrada como a do descobrimento de Brasil. Depois de dez dias, e de ordenar o retorno de uma das nau (a de mantimentos) a Portugal para levar a notícia, Cabral prosseguiu viagem para Calicute para fincar um pé de Portugal na Índia.

Durante 30, anos Portugal não se preocupou com o Brasil, ou não pôde colonizá-lo ao mesmo tempo em que explorava a Índia. Nesse período, poucos portugueses viviam no território brasileiro – náufragos, desertores, degredados – comercializando pau-brasil no regime de Feitorias, com a mão de obra dos nativos que acumulavam a madeira nesses postos, enquanto se aguardavam os navios para o embarque. Além desses havia também os invasores, que comercializavam usando o mesmo processo.

Em janeiro de 1531, com a incumbência de expulsar os invasores e de tomar posse da terra, chegou ao Brasil a expedição de Martim Afonso de Souza. Vinha com autorização do rei de Portugal para implantar o sistema de Sesmarias. Posteriormente, em 1532, Sua Majestade, D.João III, resolveu instituir o Sistema de Capitanias Hereditárias. Nessa época é que se iniciou o plantio e a industrialização da cana de açúcar no Brasil, mais especificamente em Pernambuco, onde o sistema de Capitanias, com Duarte Coelho, deu certo.

Francisco Pereira Coutinho, donatário da capitania da Bahia, apesar da ajuda de Caramuru, não teve competência administrativa, nem liderança junto aos seus comandados, para evitar conflitos com os índios. Essa falta de convivência pacífica com os nativos prejudicou o plantio e industrialização da cana na Bahia, pois os engenhos eram atacados e destruídos. O próprio Pereira Coutinho foi morto ritualmente pelos índios.

Com a adoção, em 1549, do Governo Geral, sendo Tomé de Souza o primeiro governador, é que começou realmente na Bahia a exploração da cana, sendo instalado os primeiros engenhos na região de Pirajá.

Só no governo de Mem de Sá (1557 a 1572) é que os engenhos se expandiram interiorizando-se próximo ao mar, no entorno da Baia de Todos os Santos até o Paraguaçu. A ocupação das terras, massapê adentro, se tornou possível pelas guerras feitas pelo governador contra os índios. As tribos que hostilizavam os brancos europeus foram expulsos e praticamente exterminados do Recôncavo. “Destruiu e desbaratou o gentio que vivia de redor da Bahia, a quem queimou e assolou mais de trinta aldeias, e os que escaparam à morte ou cativos fugiram para o sertão e se afastaram do mar mais de quarenta léguas.”Historia de um Engenho do Recôncavo, de Wanderley de Pinho, pág. 37

Na implantação dos engenhos, o índio foi a mão de obra utilizada na plantação e industrialização da cana de açúcar. Como os índios não se adaptaram com esse tipo de trabalho, por uma série de fatores (preferir o trabalho de derrubada de pau-brasil; não se sujeitar ao trabalho contínuo exigido na lavoura canavieira e na industrialização da cana; e também por considerar a atividade agrícola uma tarefa para mulher) os colonos passaram a escravizá-los, por falta de alternativa e por serem uma mão de obra barata. Em 1570, foi proibida a escravização, com algumas ressalvas, para os casos de antropofagia e prisioneiros de guerras justas. Após a proibição, é que se iniciou a importação de negros, da África para o Brasil. Apesar disso, foi mantida a escravização dos nativos que, transgrediam a lei.

Os engenhos se instalaram na Bahia de Todos Santos, na beira mar próximo da Capital. À medida que os índios iam sendo empurrados para o interior pelas guerras de Men de Sá, os engenhos iam avançando pelo Recôncavo, nas proximidades do mar e dos rios instalando-se na Região Da Beira Mar – Ilha de Itaparica, parte de Santo Amaro, São Francisco,.”A segunda área a desenvolver-se, o cerne do Recôncavo açucareiro, foram as zonas próximas aos rios Sergipe e Subaé, posteriormente vilas de Santo Amaro e Sâo Francisco. Men de Sá dividiu grande parte dessa área em sesmarias, reservando para si próprio um vasto território de três léguas e meia (…) onde construiu um grande engenho. Em 1587, essa região possuía catorze engenhos” Segredos Internos, de Stuart B. Schwartz, pág 89. Os engenhos eram freqüentemente saqueados pelos índios, por invasores estrangeiros, principalmente holandeses e franceses. O mesmo historiador informa que o Recôncavo sofreu ataques dos índios até a década de 1610.

As ações dos holandeses se deram principalmente em 1624/1625, quando invadiram Salvador e atacaram os engenhos de Itaparica e do Recôncavo. Os ataques continuaram ao se instalaram em Pernambuco nos anos de 1630 a 1654. Esses fatores, juntados ao enfraquecimento da terra e da falta de lenha, fizeram com que os colonizadores interiorizassem, ainda mais, seus engenhos, buscando outras terras, que ficaram conhecidas como região das “terras novas”.

Por não se ter obtido informações das datas dessa interiorização, ficam fundamentadas nas instalações das Freguesias, apesar de estas instituições religiosas só se tornarem necessárias quando o ajuntamento de gente era grande, ou ficava longe das Freguesias já existentes.. A chegada dos engenhos antecedeu em muito as Freguesias, pois a instalação delas dependia de povoados, que, por sua vez, eram frutos dos engenhos. “ Os engenhos surgiram antes das vilas e paróquias, e em grande parte do Recôncavo a primeira igreja da paróquia foi a capela de alguma dessas propriedades. Ao estabelecerem-se, os engenhos conferiam identidade ao local. No Recôncavo de nossos dias localidades como Jacu, Terra Nova e Inhatá originaram-se de engenhos, embora eles hoje estejam em ruínas e há tempos tenham desaparecidos da memória local.” Segredos Internos, de Stuart B. Schwartz, pág.92.

Entendemos que os engenhos das terras novas compreendiam, também, aqueles pertencentes as freguesias de Rio Fundo e São Sebastião do Passé. Estas foram fundadas respectivamente nos anos de 1718 (caderno das Freguesias – Bangüê) e 1610 (Segredos Internos, de Stuart B. Schwartz, pág.81) “ Quando, na década de 1560, povoados começaram a desenvolver-se no Recôncavo, com a população fixa instalada nas imediações dos engenhos, a igreja reconheceu essa realidade através da criação de paróquias distintas. Datam de 1563 a de Santa Cruz, em Itaparica, a de Santiago, no Paraguaçu (posteriormente chamada Santiago de Iguape) e a de Santo Amaro de Ipitanga. Mais três paróquias, Nossa Senhora da Purificação de Santo Amaro, São Bartolomeu de Pirajá e Nossa Senhora do Ó de Parípe, foram criadas em 1578.”

Há de se concluir que a cana de açúcar chegou na Bahia 50 anos depois do Descobrimento do Brasil;só no terceiro Governo Geral (1557 a 1572) ocupou o Recôncavo; interiorizou-se nos, hoje, municípios de Terra Nova, São de Sebastião do Passé e Teodoro Sampaio no século XVI, na primeira de 1700, duzentos anos depois do descobrimento e mais de cento e cinqüenta no inicio da colonização.

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