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BANGÜÊ É…; A NEGRADA

Sáb, 15 de Setembro de 2001 11:30

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Número 02 – Edição 01 – Sítio Inhatá, 01 a 15 de dezembro de 2001
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BANGÜÊ É…

bangue2Bangüê é uma peça de madeira que tem a forma de um agá maiúsculo deitado. Para utilizá-lo são necessárias duas pessoas que seguram as duas pernas paralelas do “H”. O objeto conduzido fica apoiado no pequeno lastro que une os caibros paralelos.
A inspiração para o nome dessa pequenina página, não decorre do “H”, mas carece também de mais de uma pessoa para fazerem o papel de transporte.
O Bangüê que dá nome ao jornal vem de engenho, engenhoca; uma forma de engenho bem rudimentar, primitiva.
“Todavia fumegava ainda os bueiros do velho engenho. Já era porém uma moagem arrastada, de lucros pequenos, quando havia numa zona em que um a um os bangüês vizinhos iam ficando de fogo morto”.História de um Engenho do Recôncavo – Wanderlei Pinho pág. 511

“Padiola usada no transporte de material de construção para o canteiro de obra”. Esta definição ( de dicionários) é conhecida ainda hoje na região, como também a sua aplicação.
Foi também usado para o transporte de cadáveres escravos e bagaço verde da cana para o bagaceiro ou bagaceira – significado de dicionário.
“Mas o bangüê não podia ressuscitar. Outros tempos, outras condições, outro mundo! Nem mais a moenda, máquinas, tachas, metais fundidos em obuses da grande guerra, e na corrida de altos preços de ferros velhos que em 1914-1918, limpou o Recôncavo desses vestígios de suas primitivas fábricas”.História de um Engenho do Recôncavo – W. Pinho pág. 518
A acima representa uma moenda de três tambores verticais. Reconstrução de uma moenda movida por bois no Engenho Freguesia, no Recôncavo. – Retirada do livro Segredos Internos de Stuart B. Schwartz pág 117.Visitando Cabôto, distrito de Candeias Bangüê fotografou a mesma moenda, já em ruínas, que figura na página número 2.
Para quem viveu a época das usinas; quem apreciou a ranger dos rodeiros dos carros de boi em Terra Nova, poderia até ouvir os sons daquele bangüê de fogo morto, movido por bois; poderia imaginar alegria até mesmo dos escravos, no início da moagem – no dia da botada.
“Botou o engenho a moer. Com estas palavras era registrado o grande acontecimento do ano, o inicio da safra.” ….” No dia marcado, o pároco, ou capelão, residente rezava a missa, abençoando o engenho, na presença do proprietário e sua família…” “No local da moenda, escravos e homens livres reuniam-se para ouvir as preces”…. “mais tarde havia um banquete na casa –grande, e os escravos eram presenteados com garapas” Segredos Internos – Stuart B Schwartz pág 96
O primeiro engenho do Recôncavo se localizou em Paripe, na vigência das Capitanias. “…. as terras de Paripe, Matoim e Freguesia se destacam como a área populacional mais antiga do Recôncavo baiano. A primeira penetração do homem civilizado nestes rincões, ocorreu em 5 de agosto de 1552.- Recôncavo Berço dos Canaviais – Milton dos Santos Matos págs 13 e 25.
Dos canaviais, do massapê, das ruínas das senzalas mais gente escuta, sem que sejam médiuns psicômetras, as reclamações dos negros por justiça para os seus descendentes; a recuperação de suas identidades; seu direito de cidadania, que não obtiveram para si.

A NEGRADA

muroQuem nasce hoje no Brasil, e que tem nas veias o sangue africano, representa qual geração nesse início de milênio, neste Brasil de 500 anos? O descendente do massapê, criança como o século XXI, é semente dos primeiros negros trazidos à força do outro lado do Atlântico?
Temos que considerar vários aspectos:
Os portugueses continuaram dando prioridade às riquezas das Índias. A primeira tentativa de explorar a terra descoberta foi através da instalação de postos no litoral – Feitorias – onde ficavam três ou quatro homens coordenando a coleta de pau-brasil derrubados pelos índios, para periodicamente ser recolhido pelos navios.
“Por volta dos fins de abril e princípios de maio de cada ano, as naus – que zarparam de Lisboa em fins de fevereiro ou inicio de março, para melhor aproveitar as correntes e os ventos – chegavam para recolher o pau-brasil estocado nas três ou quatro feitorias espalhadas pelo imenso litoral do Brasil”. Náufragos Traficantes e Degradados – Eduardo Bueno pág. 80
A partir de 1530, com a expedição de Martim Afonso de Souza (o objetivo secreto era explorar o Rio da Prata) e a conseqüente introdução das Capitanias Hereditárias – doação de terra pelo sistema de Sesmaria (aí começa a disputa da terra pelo colono europeu contra os aborígine). A necessidade dos invasores por bastante terra para o plantio da cana e sua industrialização precisava também de bastante mão de obra, que só foi conseguida pela escravização do nativo. Mesmo assim isso só se tornou possível por serem os aimorés já afeitos ao cultivo agrícola.
A presença do negro no Brasil, como mão de obra, não se deu na época das Feitorias, das Capitanias Hereditárias e nem mesmo nos três primeiros Governos Gerais. Mesmo com a introdução da indústria da cana, os colonos utilizaram-se do indígena tornado escravo. Só a partir de 1570 com a proibição da escravização indígena pela Coroa portuguesa é que os colonos intensificaram o tráfico de negros da África. Como a predominância de homem sobre as mulheres era muito grande e o índice de mortalidade infantil era bastante alto, é pouco provável que a cadeia sucessória aí iniciada chegasse até hoje.

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