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Padre Liberato

Escrito por Viraldo B. Ribeiro
Sex, 30 de Abril de 2010 20:15

Numa gentileza do professor Juvenal Alves dos Santos, apresentamos o artigo sobre o cônego Liberato.
O Vigário cavaleiro do Massapê

As chuvas do inverno e as trovoadas que alagavam as estradas e assoberbavam os riachos, o massapê escorregadio e de atoleiros surpreendiam, desequilibravam o cavalo e o cavaleiro levando-os ao chão em queda vezes sem conta perigosas, não impediam Iô Du de juntar-se aos fiéis nos dias aprazados nos distritos ou nos povoados da sua paróquia entre as maiores do recôncavo abrangendo Rio Fundo, São Bento do Inhatá, Terra Nova e respectivos povoados.

Iô Du, o vigário cavaleiro do massapê, nasceu no ano de 1879 na Casa Grande da Fazenda Flecha no recôncavo. Mais um entre os nobres de Santo Amaro, descendente dos Ferreira, dos Góes e dos Bittencurt recebeu na pia batismal da Capela da Fazenda Flecha o nome de Liberato Ferreira de Góes Bittencurt.

Muito jovem juntou-se aos seus irmãos Evaristo e Antônio no Seminário em Salvador, igualmente despertado pela vocação sacerdotal. Ordenou-se em 1901. Pouco depois foi designado para a paróquia de São Pedro do Rio Fundo onde nasceu e da qual foi pároco durante 58 anos.

Nem o rigor do inverno nem o verão de sol escaldante detinham-lhe a ânsia evangélica de evangelizar nas homilias pontificais, nos gestos fraternos, na solidariedade ante a desdita de uma família ou a amargura de um seu paroquiano. Certa feita, antes de paramentar-se para celebrar em São Bento de Inhatá, Padre Liberato ouviu o delegado Chico West, dos West vindos de terras anglicanas, dizer que, ainda naquela manhã prenderia um pobre roceiro por motivo que ao vigário não pareceu justo. Terminada a missa, apressou-se na viagem de retorno ao Rio Fundo, alegando compromissos ali. Na verdade, ele iria avisar ao roceiro de sua prisão antes que ali chegasse o inspetor. Providenciou a fuga do roceiro, fazendo-o montar na garupa do seu cavalo, deixando-o a alguns quilômetros de distância na casa de um amigo comum dele e do delegado com a recomendação de que o sentenciado havia se confessado durante a fuga e absolvido ali mesmo na garupa do cavalo e pedia a Chico West que acatasse a absolvição dada pelo padre ao roceiro penitente.

Era assim – e por todo tempo foi assim – o vigário cavaleiro do massapé. Trocou a Casa Grande da Fazenda Flecha pela grandeza do seu coração.

Na segunda metade da década de 1958, o seu coração cansou. Pediu substituto. Foi-lhe concedido pela autoridade eclesiástica, mas o indicado não pôde manter-se na paróquia porque os fiéis só aceitavam batizar os filhos ou realizar casamento se fossem celebrados por Iô Du.

O coração do Padre Liberato, o vigário cavaleiro do massapê, parou aos 80 anos, mas ainda bate no meu coração.

(Texto do livro Caminho sem Fim, a ser publicado)

Salvador, 30/04/2010.

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