TERRA NOVA NÃO COMEÇOU NA QUINTA FEIRA
Dois decretos foram determinantes para transformar a Rua da Quinta Feira, em Praça Luiz Paulino.
O primeiro decreto foi assinado em 9 agosto de 1819, pelo Rei de Portugal, no Palácio do Rio de Janeiro, onde se instalou a Sede do Reinado de Portugal a partir de 1808, até 7 de setembro de 1822, quando foi declarada a independência do Brasil.
Esse decreto de 9 de agosto de 1819 consta no livro Cartas Baianas – 1822 -1824, pag. 162, escrito por Antônio D’Oliveira Pinto da França , “Concede a faculdade para estabelecer-se uma feira no quarto dia de cada semana em terras do engenho Aramaré da Capitania da Bahia”.
Esse decreto 9 de agosto de 1819, foi o resultado da solicitação feita pelo proprietário de Engenho Aramaré, Luís Paulino d’Oliveira Pinto da França – Marechal de Campo Graduado.
O segundo decreto, o qual não conseguimos localizar nos órgãos públicos do município, foi resultante de um projeto elaborado pelo vereador Artur Inácio e encaminhado pela Camará de Vereadores, ao prefeito da época Eduardo Vinhas Valente, transformando em decreto.
Foi Artur Inácio, quem a casualidade colocou no caminho daquele português, que não quis perder a oportunidade de conhecer Aramaré, já que veio de Lisboa para o Brasil como Consul no Rio de Janeiro. O português era nada mais nada menos, do que autor do livro Cartas Baianas – Antônio D’Oliveira Pinto da França, membro da quarta geração do antigo proprietário do engenho Aramaré, Luís Paulino d’Oliveira Pinto da França.
Artur Inácio, que era amigo do atual proprietário de Aramaré – Coronel Joaozinho Dantas, não só se dispôs a acompanhar os visitantes portugueses, como providenciou um veículo mais adequado para enfrentar a estrada de massapê.
Antônio D’Oliveira Pinto da França.
“No ano agitado de 1974, chega-me de surpresa o convite para assumir o cargo de cônsul-geral do Rio de Janeiro. Foi o alvoroço de restabelecer, de ser o primeiro a regressar a essa raiz tropical, após 150 anos de recordações! Para mim, era a grande aventura de identificar ’pessoas-nomes’, ligados a nós por um fio de sangue e tradição, definir caracteres, arrancar o véu àquelas denominações saborosas de terras longínquas, perdidas no continente, pisar o engenho, redescobrir locais e sentimentos. E lá parto munido de lista com nomes de parentes, sem endereços nem cidade, e de cem cartas de minha família escritas na Bahia entre 1821 e 1824, que ainda ninguém trabalhara”. [ ]
“Em setembro de 1975, parti para Salvador disposto a visitar Aramaré…”
Foi a primeira tentativa de chegar até Aramaré, desta vez chegou até Terra Nova.
“Jurara a mim próprio que havia de voltar e, em outubro de 1976, viajei para Salvador com meu pai e o meu irmão Bento, interessados como eu neste entusiasmo do mergulho no passado. Desta vez, como era de se esperar, o parente baiano não demonstrou grande interesse em voltar a meter a sua Brasilia na picada de Terra Nova. Alugamos um carro, mas não chovia. Haviam arranjado o caminho: Terra Nova estava muito mais perto do nosso mundo. “
“Parei o carro na praça principal e atravessei-a em direção a um grupo de homens, sentados nos degraus da igreja, que, fleumaticamente, com aquela reserva de sertanejo, me viram chegar. Observei-os também, à medida que me aproximava, gostei da expressão serena e inteligente de um deles e a ele me dirigi. Levantou-se, imponente, mas acolhedor. Seria o primeiro amigo deTerra Nova, o senhor Artur Inácio da Silva, vereador da Câmara. Convidou-nos para casa”
Foi a partir desse encontro que a Rua da Quinta Feira passaria chamar-se Praça Luís Paulino.
E o visitante continuou a conversa com Artur, chegando até o ponto da feira instalada nas terras do engenho Aramaré.
“ O Sr. Inácio deu um salto da cadeira quando ouviu falar que a feira tinha lugar a cada quarto dia da semana, às quintas feiras: – ‘É isso aí, a antiga rua principal, aqui mesmo do lado, ainda hoje se chama quinta-feira’.[fala de Artur]
*Fleumaticamente: paciência excessiva
Depois foram visitar Aramaré, conhecer a antiga casa grande, acompanhado por Artur. Onde foi ouvido do proprietário, coronel Luizinho Dantas:
–“Pinto da França! Ah, mas então são netos da Dona Maria Bárbara! Grande senhora, mulher enérgica, sempre a testa das terras, por anos e anos. Foi por sua morte, já tão velha, que o meu bisavô, Manoel Costa Pinto comprou, aos filhos dela, em 1854 por cem contos, o engenho a que D. Pedro II havia a recorrer mais tarde para lhe conceder o título de visconde de Aramaré! Tinha cá estado de visita, achara bonito, ficara com o olho nele. Deitou abaixo o velho sobrado seiscentista, à moda portuguesa, em varandas, grosas paredes, onde os vossos antepassados viveram, e construiu um sobrado avarandado, à moda brasileira, lá em baixo vêem [veem], ao pé do grande tamarineiro, que do tempo do vossos. Depois o engenho passou para filha, que se casou com o meu Avô Sousa Dantas, e o tempo passou, a mina do açúcar secou, o sobrado novo ruiu e o que de tudo isso sou eu e esta terra, dividida entre irmãos e sobrinhos. Eu vim para cá pequeno, ganhei o gosto dos cavalos, da terra, da solidão, por aqui me criei e daqui nunca sai, sem os gostos dos meus antepassados ou dos meus parentes embaixadores, políticos, militares! Quando vim para cá, ainda me lembro de um escravo liberto de mais de cem anos. Ouvia maravilhado as histórias que me contava. César, de nome. Era o meu herói, fora um ás de capoeira. Em quase toda as suas falas, me contava de Dona Maria Bárbara, de quem fora escravo de estimação desde pequeno e com quem estava sempre, ora no engenho, ora no seu sobrado do Campo de São Pedro, em Salvador. ”
Depois da visita às terras de seus antepassados, o cônsul-geral do Brasil retorna para o Rio de Janeiro.
Do tempo dos avós do visitante ficaram para traz o velho Tamarineiro e as marcas do sobrado em forma de alvenaria.
Hoje o Tamarineiro é uma lembrança na porta do Espaço Bangüê.
Não localizamos, na entrada da rua, nenhuma placa, identificando a antiga rua da Quinta Feira, como Praça Luís Paulino. O que existia como homenagem desapareceu
“Regressamos ao Rio, mas o contato com Terra Nova manteve-se. A nossa visita, os dados que trouxéramos sobre o passado desconhecido levaram a Câmara Municipal a decidir atribuir o nome do avô Luís Paulino a uma praça da cidadezinha, com a indicação de se tratar do seu fundador. Decidiram também adotar como bandeira as nossas cores e como arma da vila aquelas que usou Luís Paulino, que são hoje nossas. ”
Porque Terra Nova Não começou na Rua da Quinta Feira
O que nos leva a fazer essa afirmação, poderia cingir-se tão somente a uma resposta com fundamento:
– As terras que limitavam o Engenho Aramaré não se estendiam até a rua da Quinta Feira.
Pode-se acrescentar um outro argumento:
– O nome Quinta feira foi resultado de mais um dia de folga, que a direção da usina dava aos seus operários. (Alguns operários aproveitavam esse dia para construir suas casas.)
*Cingir-se: prepara para uma só resposta.
Dona Miriam Teixeira de Meneses, com seus 90 anos de idade, nos disse como surgiu o nome Quinta Feira: “O gerente da Usina Terra Nova, Doutor Fernando Sena , como forma de ajuda aos operários que estavam construindo suas casas, concedeu folga aos mesmos nas Quinta Feira. Os operários que estavam construindo naquele local, provavelmente ainda sem nome, passaram a chama-lo de Quinta Feira”.
Essa informação é semelhante a que nos forneceu o Sr. Antídio Roque, em várias conversas que tivemos.
Para a primeira resposta vinculada aos limites das terras do Aramaré, numa visão mais recente, seja meado do século XX, o rio Pojuca, pela sua margem esquerda, é um dos limites (ao norte).
Do livro Povoamento do Recôncavo pelos Engenhos, do escritor Carlos Ott, volume II, pagina 54, trata dos limites do Engenho Aramaré, que reproduzimos:
Mais outro engenho vizinho ao do “Triunfo” foi denominado “Aramaré”, já funcionando em 1757 (509). Em 1854 o engenho “Aramaré” trabalhava com máquina a vapor, 70 bois e 60 escravos; mas seus três fazendeiros que lhes forneciam cana para moer ainda possuía 56 escravos. O engenho tinha 1.700 tarefas de terra das quais 700 massapê, 300 de “Salão” e 700 de terreno arenosos; produzia anualmente 9.000 arrobas de açúcar (510).o coronel Manoel Lopes da Costa Pinto registrou o engenho, dizendo que possuía “mil e quatrocentas e tantas tarefas que se dividem pelo sul com as terras do engenho “Triunfo”, pelo leste com terras do tenente Antônio Joaquim Alvares e com as do engenho “Periperi”, pelo norte sempre pelo rio Pojuca, pelo oeste com a terras do Barão do Itapicuru e com a terras do mosteiro de São Bento e com as do engenho “Carapiá” (511).
Há de se concluir, portanto, que as terras do Engenho Aramaré ocupavam apenas o lado direito do Pojuca, não atravessando para a margem esquerda, consequentemente a aludida feira, autorizada pelo Decreto de 9 de agosto de 1819, não foi implantada na antiga rua da Quinta Feira (margem esquerda do Pojuca), local ao lado do Fórum.
Há de se concluir, também que o inicio de Terra nova não se deu nesse local.
O outro argumento de que o nome Quinta Feira está ligado à folga concedida pela usina e a construção de residências pelos operários, foi confirmado, várias vezes pelo Sr. Antídio Roque, (que recentemente fez 100 anos) e o Sr. Antônio Moreira, conhecido por Paradorá, já falecido, inclusive citando alguns operários como José Mota cuja residência era a primeira casa da rua, que também conhecemos.
Provável Localização da Feira
Há duas questões que colocamos sobre a feira nas terras do engenho Aramaré:
1 – Sua localização, que descartamos, tenha sido na Rua da Quinta Feira.
2 – Se realmente foi implantada, e se implantada fora, se prosperou.
A questão primeira achamos que o local mais provável, seria as terras vizinhas ao engenho – São Caetano.
São Caetano, local ainda conhecido hoje pelo terranovense, mesmo muito tempo depois do desaparecimento dos engenhos foi um local bem habitado. No período em que funcionou a Usina era um Ponto de Cana, da mesma forma que foram Camurugi, Papagaio, Boa Sorte.
São Caetano, portanto, poderia fazer parte das terras do Aramaré, pois, além da proximidade entre um e outro, temos o relato que consta nas páginas 141/142, do aqui já citado livro Cartas Baianas, para reforçar nossa dedução:
“Extrato do livro de registro dos bens de raiz do capitão Bento José de Oliveira [Pai de Luís Paulino], no Brasil e Portugal. […] “Bens que possuo no Brasil na comarca da Bahia, termo da vila de Santo Amaro da Purificação, freguesia de São Pedro do Rio Fundo. ”
O engenho chamado de Aramaré, com todos os seus acessórios de fazer açúcar e escravos, bois, cavalos, terras, canaviais, roças, patos, casas de vivenda, senzalas, matos, que tudo consta de um inventário[…] Tenho escritura em meu poder no dito maço. Assim mais, ajuntei às terras do dito engenho as que foram de Baltasar de Vasconcelos, chamadas o Carapiá …remetei no ano de 1773, aos 26 de abril”.
Como as terras adquiridas, do engenho Carapiá foram juntadas às terras do Aramaré, conforme dito a cima, é possível que essa juntada fosse através de São Caetano, pois esses dois lugares, parecem ainda hoje uma só terra.
Logo, com base no exposto pode-se concluir que as terras de São Caetano se confundiam com as terras do Engenho Aramaré.
Como São Caetano tem terras planas, seria um local viável para uma feira. Outro fator era que São Caetano seria um caminho, para o Porto de Santo Amaro e o Sertão de Feira de Santana, possível para oferecer parte do engenho para rancharias, pastos fechados e abertos etc. viável, do nosso ponto de vista, para uma feira de comércio de gado e de boiadas.
“…Aramaré, em uma situação central por onde atravessam duas estradas que comunicam com os muitos ricos engenhos colocados ao norte, do nordeste, e noroeste da referida vila”[Santo Amaro da Purificação]
Sobre a segunda questão – se foi realmente implantada, e se implantada fora, se prosperou.
A questão é que o pedido foi quase no ano de 1820, os movimentos pela independência, 1822, com certeza estava em ebulição, numa situação dessa, principalmente porque o dono do Aramaré, o marechal de campo Luís Paulino D’Oliveira da França, optou, o que era óbvio, em ficar pelo lado de Portugal. Isso levou uma divisão de posição, entre ficar com o Brasil ou Portugal, dentro da família.
“O grau de ligação com o Brasil marca o tom das diferentes posições familiares, que depois se traduziram-na escolha de destino. Bento, o filho mais velho nascido e criado em Portugal, aí retorna; seu irmão Luís, x nascido em Portugal, mas educado na Bahia, adota o Brasil”.
Na Bahia a luta pela Independência continuou culminando com o 2 de julho.
Luís Paulino, já em Portugal, foi designado pelo rei de Portugal para retornar ao Brasil com a missão de ordenar a rendição dos portugueses que resistiam em Salvador [Luta da Independência do Brasil – Dois de Julho].
“Em 18 de agosto de 1823, por uma manhã de cerração e aguaceiros, Luís Paulino chegou à baia de Todos os Santos, encarregado de transmitir a Madeira as ordens de D. João VI para se render, sob o eufemismo de ‘cessar todas as hostilidades para evitar mais derramamento de sangue’. Foi ainda a bordo que alguns ingleses lhe vieram contar como as tropas portuguesas haviam cedido ao cerco pela fome e embarcado para Lisboa, seis emanas atrás, 2 de julho. ”
Luís Paulino desembarca em Salvador, mais não é bem recebido pelas ruas que passa, retorna para Lisboa, mas seu estado de saúde impede que prossiga. Fica no Rio. Poucos meses depois, parte para Lisboa, não chegando ao destino pois morre durante a viagem em auto mar.
“Certifico em como, no dia 4 do mês de dezembro de 1823, veio a bordo do bergantim Gloria, surto então no porto do Rio de Janeiro, Exmo. Sr. Luís Paulino d’Oliveira Pinto da França com tísica pulmonar, da cuja o tratei até o dia que faleceu, que foi em 8de janeiro de 1824, e por ser verdade passo esta que juro aos Santos Evangelhos.
Lisboa, 10de fevereiro de 1824
Joaquim de Barros Cardoso – Cirurgião” (Cartas Baianas pag. 175)
Concluímos, fundamentado: no limite norte das terras do Aramaré com o Rio Pojuca; no curto espaço de tempo entre o pedido para instalação da feira (fins de 1819) e o desenlace da Independência – 1822 e 1823 (2 de Julho); divisão da família de Luís Paulino e sua morte no retorno para Lisboa, que Terra nova não teve seu início na Rua da Quinta Feira.
Salvador, julho de 2015.
Viraldo Ribeiro