Angélica Chaves
Agenda 18 de abril de 2020 – Via Zap (16.04.2020)
Moradores da Rua Tamandaré
Repassada via Isa
Olá, Isa Vou passar algumas informações para você mostrar a Viraldo. Perdi o contato. Ele me perguntou sobre algumas pessoas que moravam na minha Rua em Terra Nova.
1 – As últimas casas foram de Emiliano e Dina que tinham muitos filhos. Acho que ele trabalhava na Petrobras. Vizinho dele era Sr Bida e sua irmã Pureza. Depois João Mula Russa e a mulher dele não me lembro do nome. Depois Rosa Vitória, ela era a costureira da família. Vizinho deles Enedina/José Galdino e dois filhos, depois Maria de Luar, mãe de Helier e outros rapazes que foram morar trabalhar no Rio e em São Paulo. Vem Sr. Lucio Fobia pai de Perreu, aí vem D. Maria mãe de Dr. Rosalvo. Ela morava com outro filho. Sr. José Augusto, carpinteiro dos bons e sua mulher Mocinha e filhos. A seguir Maria de Sr. Lazaro e ai fechava a rua com nossa casa.
Um pouco adiante, a rinha de briga de galos, junto à casa de Sr. Jeronimo e de dona Joana.
REVIVER É PRECISO… HOMENAGEM AOS DOADORES DE MINHAS MEMÓRIAS EMOTIVAS
- “TUDO QUE VOCE NÃO PUDER CONTAR COMO FEZ, NÃO FAÇA” Emmanuel Kant.
Sempre fiz questão de contar as coisas, não as que eu tivesse feito, mas as que vi serem feitas por pessoas que deixaram suas marcas na minha infância, na terra que me viu crescer.
Comecemos, naturalmente, com os meus pais. Infelizmente, não conheci os meus avós paternos. Já na época que meu pai tinha seus 20 e poucos anos, eles eram falecidos e meu pai contava que o seu irmão um ou dois anos mais velho, morava com ele, os dois solteiros, e meu tio então, instalou uma farmácia em Terra Nova, uma vez que era farmacêutico pratico, Seu nome era Aníbal. .Estava se preparando para casar e, fazendo a sua casa. Porém, nessa ocasião, foi acometido por dores abdominais muito fortes, que, depois, diagnosticou-se tratar de problemas com o baço, que, apesar dele ter-se submetido aos tratamentos médicos acessíveis na época, infelizmente não sobreviveu vindo a falecer. Meu pai, para ajudá-lo a arcar com as despesas médicas, comprou a casa que ele estava construindo, casa essa que, após conhecer minha mãe e, casar-se, passou a morar nela e lá nascemos, nós, seus filhos e, lá vivemos até terminarmos o antigo curso primário e precisarmos fazer o admissão ao ginásio.
Esse é o período de minhas mais gratas lembranças, que estão fortemente entranhadas na minha memória. Continuemos, entretanto, com a história. Meu pai morava com seu irmão e havia, também, uma Irma, Tia Maninha, casada com Tio Artur, também conhecido como SITU DANTAS, de uma família tradicional, conhecida de Santo Amaro, e que exercia a função de Gerente, ou Chefe, acho que era do Escritório da Usina Terra Nova, e, como tal, tinha direito a uma residência no “Outro lado do rio Pojuca”, o lado da Usina. Porque o lado de cá do rio, onde ficava a nossa casa e o comércio em geral, era sempre referido como “Do outro lado”. Engraçado, não? Mas, aos nossos ouvidos, (dos terranovenses), soa como uma referencia natural.
Pois bem, Tio Artur foi para a família de meu pai, uma espécie de orientador, um irmão mais velho, aquele que aconselha que indica. Quando minha mãe, Guiomar, surgiu na Vida de meu pai, Landulfo, ela trabalhava na recém-fundada Cooperativa de Terra Nova. Era seu primeiro e único emprego, apesar de meu avô não ter gostado muito da ideia, Guiomar, que na época devia ter uns 18 anos, trabalhou por pouco tempo, pois logo conheceu Landulfo, e o namoro naquela época era quase que um pedido de noivado e, mais uma vez, foi meu tio Artur, que era uma pessoa muito íntegra, conceituada, quem acompanhou meu pai no pedido de namoro aos meus avós, e daí para o casamento foi rápido. Economicamente, tudo por lá girava em torno da Usina Terra Nova, que pertencia ao grupo MAGALHÃES. Meu avô materno, Vô Maneca, também trabalhava como Administrador da Empresa, gerenciando a plantação e tudo que se referia à lavoura da cana de açúcar, naquele perímetro. Vale ainda registrar que, além de Tia Maninha, irmã meu pai, havia, também, tio Adolfo, Tio Zezinho que trabalhava na Usina São Bento, também do grupo Magalhães, Tia Teodorinha que era casada com tio Batista, um fotógrafo de Santo Amaro, tia Marieta e tia Adélia. Todos os irmãos de Landulfo e moradores de Terra Nova e região, com exceção de tia Teodorinha, que morava em Santo Amaro, na Rua do Amparo. Quando tio Artur aposentou-se, foi morar num sítio em Bom Jardim, em cuja estação ferroviária, “dormia” o trem da VFFLB que vinha diariamente de Santo Amaro à tarde, passava por Terra Nova e seguia até Bom Jardim e voltava para Santo Amaro na manhã do dia seguinte. Esse sítio chamava-se RIO DE AREIA, e vez em quando passávamos uns dias agradáveis por lá. Apesar de tia Maninha não ter tido filhos, ela criou algumas crianças, de modo que a casa vivia sempre cheia. Cada lugar tem seus moradores que deixam seus passos, suas performances registradas naquilo que fazem ou dizem, e que vão ecoar futuramente em algum lugar ou em alguém. Invariavelmente. Meu pai instalou-se no comércio de Terra Nova e, me lembro dos deliciosos e quentes pães da sua padaria que, tinha o compromisso de levar lá pra casa, pães das primeiras fornadas. Tem lembranças mais saborosas? E os bolos, de épocas festivas, como São João, Natal, Ano Novo? Mamãe fazia os bolos e, algumas vezes, éramos nós que levávamos para assar na padaria. Bem assim, os perus da festa. ETA tempo bom! A casa ficava com ares de festa, cheiro de festa, cores de festa, cara de festa, enfim, a vida naquele tempo, era uma festa. E era mesmo, porque na época da festa de REIS, dia 6 de janeiro, a amiga de minha mãe, D.Genita, ia lá em casa, convidar as “meninas” de Guió, pedindo a sua permissão para que elas saíssem no bloco do LINDAMOR, Então, permissão dada, D.Genita nos levava e trazia de volta, após o término do desfile do bloco pelas ruas, angariando a contribuição dos moradores para a festa. Chegávamos em casa cansadas de dançar, de cantar e de comer as guloseimas que nos eram oferecidas nas casas onde o bloco parava. Porém, felizes por nos sentirmos as “estrelas” daquela festa. E o melhor, é que éramos…
Meu pai tudo fazia para que seus filhos fossem bem assistidos, bem alimentados, chegando ao ponto de colocar no seu quintal, que não era tão grande assim, uma vaquinha, com seu bezerrinho, e, antes de ir trabalhar, ele tirava o leite de Mansinha e, quando acordávamos tomávamos aquele leite saboroso, que nos fortalecia também dos cuidados e atenção do meu velho pai que, também, cultivava na nossa varanda, em dois troncos grossos de árvore, o mel de abelhas. De tempos em tempos, havia um dia em que ele, de manhã cedo, todo paramentado, de chapéu com uma espécie de véu no rosto, camisão de mangas longas, calça comprida, meião e luvas, abria os troncos, tirando o tampão de cera, a fim de escoar o mel. Apesar dele não querer criança por perto, era gostoso dar uma espiadinha escondido. Era o nosso BIG BEE. Como falei, tio Artur era o conselheiro da família e meu pai que gostava muito de folia, de festa, foi aconselhar-se com ele para fundar, com seus companheiros do comércio, um bloco carnavalesco para sair numa época fora da data em que se comemorava o Carnaval, com o nome de MICARETA, uma vez que, já estava sendo organizado o bloco VIVER ENTRE FLORES, financiado pela Usina e seus funcionários. Criou-se, então, o VIVER SÓ ASSIM. Ah! Meu senhor, aí é que houve disputa, comparações, rivalidade, estratégias escondidas, contratos dos melhores músicos de Salvador, por baixo de sete capas, para que um não soubesse o que o outro bloco estava planejando. Só faltava ter duelo, aliás, tinha um duelo do bem, porque era na base da apresentação dos blocos no dia da micareta. Vencia aquele que melhor se apresentasse. Era uma festa que começava muito antes de ACONTECER. Se é que é possível. No dia marcado para botar o bloco na rua tinha desfile com carros alegóricos, bandas tocando, muita música que terminava nas suas sedes, com bailes que iam até de manhã. Como não havia hotéis, muitas vezes os músicos contratados do VIVER SÓ ASSIM, terminavam ficando hospedados lá em casa, e, passavam a ser quase da família, se comprometendo a voltar no ano seguinte.
Lembro-me perfeitamente do Trompetista Hipólito, dessa. Havia, ainda, o bloco AMANTE DA FARRA organizado por JOÃO MULA RUSSA. Lembro-me que meu cunhado WALDIR WEST era um dos integrantes desse bloco, era o Porta-Estandarte. Tudo dentro da paz, apesar de muita competição, de esconde-esconde, tipo segredo de estado, mas no fim era só alegria e diversão.
Meu tio também incentivou meu pai a organizar com os seus companheiros comerciantes a projeção de filmes para que as pessoas pudessem ter um lugar para lazer. E assim foi fundado o cinema, que exibia os filmes aos sábados e domingos, à noite. Quando as películas estavam muito usadas, se partiam e as luzes acendiam, a molecada gritava e o projetista consertava. E tudo recomeçava… Até aqueles benditos seriados começarem, após o término do filme. Esses seriados tinham uma sequencia que era eternamente inacabada, para que tivesse continuidade na próxima semana. Era a novela da época. E contava, SEMPRE com a gritaria. Já fazia parte. Às vezes, quando a gente não ia ao cinema, já Sabíamos quando o filme havia acabado pelos gritos que vinham daqueles lados. Na parte educacional havia a Profa. LULU, que marcou a época em que lecionou para a juventude do local, depois ela passou o bastão para sua filha MERITA, (Maria de Lourdes), dessa tenho nítidas lembranças, pois foi à professora de meus irmãos. Era casada com o Prof. Custódio, que ensinava violão. E, como Terra Nova não tinha Ginásio, só funcionando o primeiro grau, quando terminávamos o antigo Primário, tínhamos que ir para Santo Amaro, para fazer o Segundo grau. O Padre LIBERATO atendia toda aquela região, montado em seu burro, que era o meio de transporte usado, uma vez que, sendo a sede da Paróquia em Rio Fundo, ela tinha que dar assistência espiritual e religiosa a toda região montado no seu burrico. O almoço, jantar e café eram oferecidos pelas famílias do local em que ele estivesse chegando. Se anoitecesse longe de sua sede, ele também dormia em casa de alguma família que, em geral, estava sempre à disposição para oferecer abrigo. Seria assim a própria evangelização posta em prática.
Mas, nem só de folia vivia o povo de Terra Nova. Sua população pequena era muito religiosa e apesar de, nessa época, não ser sede da Paróquia, havia uma Igreja e, me lembro de que um dia meu pai que fazia parte de uma comissão, foi a um lugarejo próximo, chamado PAPAGAIO resgatar uma imagem de SÃO ROQUE, acho que era uma doação, e a entronizaram na Igreja de Terra Nova. São Roque é o padroeiro da cidade de Terra Nova e é festejado no dia 16 de agosto.
Os Correios, para fazer a entrega de cartas e de encomendas à população, eram uma tarefa executada por Dona MAROCAS, irmã de SILÔ, que, da janela de sua casa, exercia essa função, chamando a pessoa da família que estivesse passando, para ser o portador da encomenda que havia chegado para ela ou algum parente seu. Pará isso, sua casa tinha uma posição privilegiada, estratégica, ficava na rua principal, onde todo mundo transitava por ela.
A saúde na Terra Nova dos anos 50/60, e arredores, era exercida por um médico que deixou sua memória e seu trabalho bem marcados, uma vez que, além de ser o único médico para atender à população, DR. JOSÉ MELO DE LIMA, mais conhecido como Dr. Melo, fazia, na sua maneira peculiar de ser, um serviço social, dando noções de higiene e saúde aos mais carentes. Ele reunia no salão do Clube Social algumas pessoas que eram previamente convidadas e falava sobre o seu trabalho, as novidades na área médica e sobre o conhecimento que havia adquirido nos SIMPÓSIOS que ele participava, principalmente em Belo Horizonte. Essa palavra ficou presa na minha memória, porque ele a pronunciava várias vezes, explicando que os encontros, as reuniões realizadas na área médica que ele participava , chamavam-se SIMPÓSIOS. Ele ia às casas daquelas pessoas mais humildes, mandava que trouxessem as crianças, perguntava sobre a alimentação que lhes era dada e recomendava: o melhor nutriente para a criança é o leite do peito, materno. Quando elas crescem, as mães devem comprar na feira farinha de mandioca, que é mais acessível, por num pilão limpinho, até virar um pozinho bem fino, mistura com o leite de vaca, que também é mais barato, faz o mingau, não precisa colocar mais nada, nem açúcar, nem sal e dá a criança. Ela vai ficar forte e não vai precisar comprar remédio. O que precisa se ter é muita higiene. Muita limpeza, E assim ele ia ministrando seus conhecimentos médicos e sociais para a população.
Nas visitas médicas que minha mãe fazia nos levando, ele nos examinava abrindo os nossos olhos, tomando a pressão arterial olhando a garganta, as batidas cardíacas e recomendava BIOTONICO FONTOURA, EMULSÃO DE SCOTT, (aquele que tem na parte externa do vidro um bacalhau nas costas de um homem), tomar o sol da manhã, para pegar a vitamina D. Engraçado é que hoje eu tenho ouvido minhas noras e sobrinhas falando sobre essa recomendação médica HOJE: Vitamina D. E, também, Dr. Melo mandava a gente tomar todo ano Purgante de Vermes. Vocês sabem o que é isso? É simplesmente ÓLEO DE RÍCINO e no dia de tomar esse bendito remédio, era um dia que eu desejava que o chão se abrisse PRA EU SUMIR DENTRO DELE. Não há, no mundo, remédio pior que esse. Só de me lembrar do seu cheiro, me dá vontade de vomitar. Já acordávamos realizando a verdadeira dança indígena com coreografia e tudo para tomar esse remédio. Era pela manhã, em jejum, minha mãe segurando uma caneca com óleo misturado com café e açúcar numa mão e a outra segurando a cabeça da criança e a criança, coitada, apertando o nariz para não sentir o cheiro do remédio e entre lágrimas amargas que se misturavam ao óleo, pulando e chorando, deixava escorrer goela abaixo o remédio numa talagada só. E ainda tinha que ouvir a recomendação materna: não é pra vomitar. Porque se vomitar, toma outra dose. Que horror! Hoje é diferente. Basta uma pílula e pronto. O negócio melhorou Dr. Melo! Não vou falar dos efeitos causados pelo purgante por motivos óbvios… (risos).
É hoje é engraçado, mas aquele dia era, sempre, uma tragédia grega.
Eu e muitos outros conterrâneos viemos ao mundo com a ajuda das bondosas e abnegadas PARTEIRAS. Eu, particularmente, tinha um afeto muito grande pela parteira que me ajudou a vir cumprir a minha missão neste mundo. Ela se chamava DILÁ, nunca soube o seu nome de batismo. Ela era uma figura angelical: meio gordinhos cabelos grisalhos, lisos e presos num coque, e enrolados num lenço. Os olhos de um azul quase transparente quase não falavam e quando fazia era bem baixinho. Sua voz fraca contrastava com a firmeza de suas ações. Com as mãos firmes e doçura no olhar, Dilá trouxe ao mundo muitos terranovenses. Acho que ela não cobrava pelo parto que fazia, ou seria apenas um valor simbólico, para garantir o seu sobrevivência? Nunca soube. Assim que ela sabia que eu havia chegado de Santo Amaro, mamãe mandava avisar, ela ia lá a casa me ver. Eu lhe pedia a benção e ela segurava firme a minha mão e com a outra fazia o sinal da cruz em minha testa. Era sempre assim. Quando terminavam as férias e eu tinha que voltar para Santo Amaro ia visitá-la em sua modesta casa na Volta do Gás. Parecia que ela vivia uma vida monástica, dentro de uma simplicidade franciscana. Hoje, acho que está fazendo parte do coro celeste, regendo, com suas mãos firmes, a orquestra de anjos, serafins e querubins. Simbolicamente peço-lhe a benção minha mãe Dilá. Era assim que ela gostava de ser chamada.
Muitas outras pessoas passaram, naquele período, por Terra Nova e deixaram suas marcas, suas lembranças não só em mim, como também naqueles com quem tiveram contato, aproximação, ou foram beneficiados com ensinamentos, serviços. Pessoas simples, porém, possuidoras de sabedoria e humildade.
Sr. Manoelzinho – marido de Dona margarida, casal que muito me marcou. Ela, uma simples lavadeira, e que, dentro de sua generosidade, sabia receber como uma grande dama. Eu gostava de passar em sua casa para conversar com sua filha Preta, e, logo D.Margarida ia preparar uma merenda. E nessa merenda havia tanta satisfação, tanta vontade de agradar, que o lanche ficava mais gostoso ainda. Ele era um operário da Usina e responsável pelo ponto exato em que o mel da cana está pronto para e tornar açúcar. Sua personalidade, sua generosidade, abnegação, espalhando amor, bondade, dentro de uma simplicidade, de uma forma quase imperceptível de ser, que só mesmo depois de muita observação, empatia, sensibilidade e afinidade, a gente podia notar a grandeza que se escondia numa simples parteira, que mal abria a boca, como DILÁ, ou pessoas que demonstraram extrema lealdade e disponibilidade a meu pai, como um auxiliar seu, chamado TINOZINHO o qual, junto com meu pai, criou uma estratégia mirabolante para a época, envolvendo um alarme que soava na casa de Tinozinho, e do Sargento de Polícia local, no caso de haver mais um arrombamento na loja de meu pai que vinha sendo roubada, (depois é que se soube), por um ex-empregado. Meus pais ficaram tão agradecidos que lhe deram uma filha para ele batizar e se tornaram compadres, amigos, irmãos. Numa outra ocasião, quando meus irmãos mais velhos foram acometidos por uma febre, que, no início, não se sabia a causa, e depois que os exames vieram confirmar tratar-se de tifo, e Dar, Melo Lima sugeriu que a casa fosse desocupada para que se fizesse uma profilaxia severa, Tinozinho foi o primeiro a colocar sua casa à disposição de meus pais, e lá eles ficaram por um tempo, enquanto eu e mais dois irmãos fomos pra casa de meus avós. Registre-se que nem só Tinozinho ofereceu sua casa, como, também, outros amigos de meu pai o fizeram. A solidariedade era um fato. Havia pessoas tão íntegras, de valores incorruptíveis, que por si, só em falar no nome, merecia uma menção honrosa e esses eram os amigos de meu pai, como Tinozinho, Sr. Aurélio Cerqueira, Dr. Melo Lima, Tim, Sr. Dionísio. Que tinha uma farmácia, Sr. Avelino Firmo, velho companheiro que colocava em prática as ideias de lazer, de folia, de meu pai, junto também Tomazinho e esses, juntos, fundaram o bloco VIVER SÓ ASSIM. Tim-Tim, Sr, Ildefonso e tantos outros que a memória poda as minhas lembranças e homenagens. Dr.Godofredo Pacheco, um sírio Sr.Salim seu habitual companheiro de jogo de damas. Dificilmente alguém ganhava de meu pai, nesse jogo de raciocínio rápido. Foi difícil encontrar um substituto quando Sr. Manoelzinho se aposentou. Várias vezes foram buscá-lo para ensinar ao técnico recém-contratado o “pulo do gato”. Quando a gente vinha de Santo Amaro minha mãe dizia: vá olhar na despensa o que Sr.Manoelzinho mandou pra vocês. Pra mim era o manjar dos deuses. Era um garrafão de melado, mel de usina. Assim como eu sinto o cheiro do óleo de rícino, sinto com saudade o cheiro do doce mel de minha infância.
Quando minha mãe, Guiomar, fez 100 anos de idade, quisemos fazer uma volta ao passado, tomando o depoimento De pessoas que com ela conviveram, e, a minha primeira surpresa, ao chegar à rua em que vivemos em Terra Nova, foi observar que a distância que havia entre a minha antiga casa e o fim da rua onde morávamos e que na minha lembrança ocupava um espaço quilométrico, não passava de alguns poucos metros. Fiquei parada olhando e comparando o contraste entre distancia, tamanho, enfim, como a nossa percepção difere quando se observa com o olhar infantil e o de adulto. As antigas e frondosas mangueiras do meu quintal não passam, hoje, de árvores quase raquíticas, desfolhadas, as pessoas que eram nossos vizinhos, muitos já se mudaram ou morreram, Encontraram, num universo de mais ou menos 12 pessoas, apenas quatro sobreviventes de um período de quarenta e pouco anoso fato é que essas pessoas nos reconheceram, ficaram alegres com a notícia da celebração dos 100 anos de Guiomar e falaram dessa alegria com muito prazer. E admiração. A minha segunda surpresa foi ser reconhecida por uma antiga vizinha, que ficou cega e eu me sentei junto dela e ela pegou nos meus braços, em minhas mãos, e falou: você é Angélica, e baixando a voz disse: está mais gordinha, mas é Angélica. Fiquei muito feliz… Com que firmeza ela se lembrou de minha voz… Porque ela sabia que eu era uma das filhas de Guió, porém, não lhe disseram quem era. E olhe que nós éramos seis “meninas”.
E a minha terceira surpresa, não foi nada agradável. Foi não encontrar nenhum vestígio material da antiga Usina Terra Nova, a não ser um único e solitário bueiro fincado no meio do nada, dando-nos a impressão de estarmos diante de um campo espacial da NASA e o bueiro seria o foguete aguardando a ordem de subir até o infinito, deixando uma imensa nuvem de poeira no sombrio espaçovazio e dentro dela, todas as lembranças, retratos de vidas que ali ganharam o pão para sustentar suas famílias, e, se apurássemos bem os ouvidos, ainda percebia ecoando no ar o apito da Usina anunciando os horários de mudanças de turno, e o som distante de vozes misturadas a apitos e barulho de movimentos de manobras de máquinas trazendo carregamento de cana de açúcar, o cheiro da cana sendo esmagada, espremida e o vai e vem do caminho sem fim, o tica-a do relógio de ponto, operários entrando e saindo, todos esses fantasmas passando pelo portão imaginário para logo atravessarem a ponte.
Sobre o rio Pojuca, que, também já não mais existe.
Mas, os operários tem que chegar ao Outro Lado, para almoçar e voltar. Mas, voltar pra onde? Tudo mudou. Tudo se acabou. Nada mais restou. Só o espaço ficou Tudo mais o Tempo se aliou a alguns homens, à modernidade, a mais lucros e menos despesas, e prontamente obedeceu a ordem dada: vamos digitalizar resumir tempo e despesas, agilizar tudo e para isso o HOMEM OPERÁRIO é o que menos importa. E assim como fez anos a fio, com a cana , esmagaram , moeram, transformaram todo esse passado em poeira, em espaços vazios, e para nós restaram as LEMBRANÇAS, SAUDADE… Como se é dolorido olhar a tristeza, a nostalgia, a baixa autoestima, A IMPOTÊNCIA, estampadas no olhar das pessoas, ao serem questionadas diante de fato consumado.
Bem em frente a esse campo de concentração de lembranças, está um antigo sonho de minha infância, quando eu tinha meus oito, 10 anos, ficava com o olhar perdido no espaço entre a minha varanda e o outro lado do rio, e ficava a imaginar como seria aquele espetacular CHALÉ, por dentro, de verdade, porque nos meus devaneios, eu sabia direitinho como era. O fato é que eu nunca entrei nesse imóvel e eu soube que hoje ele se transformou na sede da Prefeitura. Agora vou contar o dia em que numa só oportunidade, fiz duas viagens. Por favor, não deem risada, me acompanhem nas minhas fantasias. Muitos anos depois de olhar aquele objeto de desejo da varanda de minha casa, em Terra Nova, me vi diante do PALÁCIO DE SHONBRUNN, em Viena/Áustria, antiga propriedade dos HABSBURGO, dinastia que dominou grande parte da Europa. Lá, nesse Palácio, foi rodada a série do filme SISSI a Imperatriz, com a atriz ROMY SCHNEIDER. Pois bem, olhando do portão de entrada o belíssimo Palácio, em que pensei? Que eu estava diante do Chalé da Usina Terra Nova, isto é, guardando as devidas proporções, claro! Estava sonhando, mas não estava louca. Esta foi à primeira viagem. A segunda, eu me vi sentada no antigo Cine Roma, aqui em Salvador, assistindo o filme Sissi, a Imperatriz, que conta a história da bela jovem princesa Isabel, Duquesa da Baviera, conhecida como SISSI. Que se casou com o Imperador austríaco, Francisco José. Além da curiosidade e interesse pela história do antigo Império Austro-húngaro, cuja família Habsburgo de nobres, influentes e importantes membros, e à qual pertencia MARIA LEOPOLDINA da Áustria, esposa de D, Pedro I e mãe de D, Pedro II, do Brasil, e da beleza deslumbrante do ambiente em que se passa a história, o Palácio de Schonbrunn, eu estava realizando o sonho de ver tudo aquilo de perto, ao vivo e a cores. Eu que nunca pensei que um dia sairia de minha terra, estava ali, em Viena, observando com o mesmo olhar de curiosidade, o Palácio que foi palco de tanta história de Impérios e Dinastias, e que me levava de volta às minhas fantásticas e distantes lembranças, de outro Palacete, bem menos deslumbrante e mil vezes menor, porém, tão misteriosamente encantador quanto. Como dizem que a vida é um farol cuja luz tem que ser direcionada para frente, então, que assim seja, Sigamos em frente. Com certeza dentro da grandeza desse mundo inesquecível, vamos encontrar o melhor de nós: A ORIGEM DE NOSSA ESSÊNCIA foi lá que tudo começou. Os valores que forjaram nosso caráter vieram de exemplos daqueles homens simples, de personalidade forte, marcante, porém humildes, porque eles sabiam que, para se for um homem íntegro não é preciso derrubar o outro, passar por cima de nada nem de ninguém, tem que simplesmente cultivar tudo aquilo que engrandece e fortalece o espírito. Com que prazer, alegria e orgulho nós vivemos e, por certo, aprendemos um pouco, com essa gente valorosa, que nos ensinou que o homem é importante pelo que É e não pelo que TEM. E que a HUMILDADE, a FIDELIDADE, E A GRATIDÃO são o caminho que nos levam a atravessar felizes a antiga PONTE DO TREM e chegarmos DO OUTRO LADO, para, envolvidos em DOCES LEMBRANÇAS acenarmos para as máquinas abarrotadas de cana de açúcar com seus apitos estridentes e suas chaminés soltando fumaças e faíscas, passarem pelos velhos trilhos cortando as ruas empoeiradas da velha Terra Nova e, seguirem, por fim, para a Usina levando suas cargas doces e preciosas e num vagão ESPECIAL, tal quais aqueles carros alegóricos das antigas Micaretas, vão todas aquelas pessoas que, felizes e sorridentes, seguem alegres, por saberem que suas vidas e seus exemplos não foram em vão. Estão muito presentes em nossos corações, nossas lembranças, nossas essências e, certamente, vamos passar para a posteridade.