DE ONDE VIEMOS; MEMÓRIA PERDIDA;INTEGRAÇÃO; COMPADRIO; RELIGIÃO DOS QUE VOLTARAM; DIFICULDADE DA VOLTA
Escrito por Viraldo B. Ribeiro
Seg, 15 de Outubro de 2001 12:00
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Número 04 – Edição 01 – Sítio Inhatá, 1 a 15 de outubro 2001
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DE ONDE VIEMOS
A caminhada do negro foi e continua sendo espinhosa. Quando os portugueses perceberam que era muito difícil lutar para escravizar os índios para torná-los escravos, e usá-los como mão de obra no plantio e industrialização da cana de açúcar, os negros da África foram a solução pois já se tinha experiência com eles.
“Só em 1444, chegaram ao verdejante delta do Rio Senegal, na África negra….Começaram a escravizar os nativos da região que batizaram de ‘Terra dos Verdadeiros Negros’….Foram os portugueses que reaqueceram o tráfico de escravos… O ciclo escravocrata inaugurado pelos navegantes infantes se tornaria o maior da história da humanidade, refletindo mais tarde também no Brasil” – Brasil Terra Vista, pág 34 – Eduardo Bueno.
Origem dos Escravos
Com base nos estudos de Pierre Verger, os escravos chegados na Bahia tiveram 4 ciclos:
Ciclo da Guiné – segunda metade do século XVI;
Ciclo de Angola e do Congo – século XVII;
Ciclo da Costa da Mina – durante os três primeiros quartos do século XVIII;
Ciclo da baia de Benin entre 1770 e 1850 incluído ai o período do tráfico clandestino.
Não estaremos longe da verdade se afirmarmos que os contemporâneos não têm raízes daquele primeiro Ciclo. Um alto índice de mortalidade, baixo índice de nascimento, mortalidade infantil, número pequeno de mulheres, facilita a conclusão.
Tendo documentos se vai longe. “Em princípios do século XVIII, muitas das famílias inter-relacionadas do núcleo de elite incluíam descendentes do pioneiro colonizador baiano, Diogo Álvares, o Caramuru, especialmente com sua esposa índia Catarina Paraguaçu”.Segredos Internos de Stuart Schwarzt pág.230. Porém muitos documentos foram destruídos dificultando as pesquisas dos estudiosos.
MEMÓRIA PERDIDA
Igreja do bairro brasileiro em Lagos, Nigéria.
“A despeito do louvável trabalho de muitos estudiosos, a historia do tráfico negreiro baiano ainda está por ser escrita, carecendo de documentação, especialmente para o período anterior a 1700”. Segredos Internos pág. 280,
Em Fluxo e Refluxo de Pierre Verger pág. 16 ….”uma grande parte dos documentos sobre a questão dos escravos e do tráfico foi destruída no Brasil em 1891, após a abolição…
As razões deste ‘ato de fé’ abolicionista, atribuído à iniciativa de Ruy Barbosa, então Ministro das Finanças, são discutíveis. Dizem alguns que a nova Republica brasileira queria apagar para sempre a lembrança e os traços da escravidão do país.”
São também apontadas razões econômicas para a atitude de Ruy – a semelhança dos colonos ingleses e franceses (indenizados com a emancipação) os colonos brasileiros também requereram indenizações.
“Joaquim Nabuco, em um discurso na Câmara dos deputados, leu uma petição de seus leitores para que: … os livros de matricula geral dos escravos do Império sejam cancelados ou inutilizados….Indenização monstruosa… porque grande parte desses escravos eram africanos ilegalmente escravizados, já que haviam aportados ao Brasil posteriormente à Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831. ..
“Mas restavam os documentos dos arquivos provinciais, e uma circular do Ministério das Finanças, datada de 29 de mais de 1891, assinada pelo conselheiro Tristão de Alencar de Araripe, ordenou a destruição dos arquivos sobre a escravaturas.”.Pierre.Verger pág.16 e 17
O deplorável desaparecimento de coleções de jornais, publicados na Bahia durante a primeira metade do século XIX, priva igualmente o pesquisador de uma massa preciosa de informações.” “Segundo Américo Lacombe: Uma placa de bronze, existente nas oficinas do Loyde Brasileiro, contém, de fato, esta inscrição lacônica: “13 de maio de 1891. Aqui foram incendiados os últimos documentos da escravidão no Brasil,’ “ Pierre Verger Fluxo Refluxo pág. 17.
INTEGRAÇÃO
Integração do negro na sociedade, somente se tornaria possível com uma intervenção de fora para dentro, pois o homem não se encontra num grau evolutivo para perceber-se integrado no sistema, uma participação inteligente do Estado, na forma de distribuição de terra e ação na escola, achamos que são dois facilitadores básicos. Ainda hoje não detectamos estas ações. A escola pública, por exemplo, não prepara o aluno para a participar em condições de igualdade no mercado de trabalho, com aqueles outros que podem bancar o estudo. Como a família também carente de estudo, deixa de ser uma continuidade da escola, e a escola nessa situação, perde sua função de instrumento de integração de classes. O ensino primário deveria, achamos, ser ministrado em dois turnos, onde um deles cobriria os deveres de casa. Pois para problemas diferentes, varáveis para solucioná-los também. O que não é possível é uma menina, com onze anos.
COMPADRIO
Relações entre compadres, compaternidade.
“O parentesco ritual através do compadrio há tempos vem sendo objeto de interesse entre cientistas sociais … A partir de dados extraídos de quatro paróquias do Recôncavo, especialmente Monte e Rio Fundo na década de 1780, examinaremos a seguir os padrões do compadrio entre a população escrava…. O compadrio criava uma série de laços de parentesco espiritual entre o afilhado ou afilhada e seu padrinho e madrinha, além de laços entre os pais e os padrinhos, que passavam a tratar-se por compadre e comadre, ou seja, pais suplementares da criança batizada, em reconhecimento à união espiritual e material da criança.”Segredos Internos Stuart B.Schwartz pág. 330
Devido aos laços fraternais entre padrinhos e compadres, normalmente os senhores não mantinham a relação de compadrio com seus cativos. “O primeiro padrão a emergir claramente do exame dos batizados do Recôncavo é o fato de os senhores não apadrinharem seus próprios escravos . … A ausência de laços entre escravos e senhores criados através do batismo não significava que não existissem ao menos expressões indiretas de paternalismo. Em 1781, por exemplo, o filho do senhor do Engenho Jacuípe apadrinhou o filho de um casal de escravos de seu pai, e em 1788 um pardo, carpinteiro livre, afilhado do lavrador de cana Clemente Nogueira, apadrinhou um dos cativos deste ultimo. Contudo mesmo essas formas indiretas eram raras…Freqüentemente, escravas procuravam pessoas de consideração para apadrinharem seus filhos, na esperança de que o orgulho das mesmas seria grande demais para permitir que seus aflhados permanecessem em cativeiro; tal esperança, porém em geral não se concretizava.” Segredos internos de Stuart Schwartz pág. 331
“As pessoas livres que apadrinhavam escravos não formavam um grupo homogêneo. As distinções segundo ocupação e cor também influíram no padrão de seleção. Na amostra de batizados de Rio Fundo e Monte não houve casos em que padrinhos livres de um escravo desfrutavam de status social igual ou superior ao do proprietário do cativo.Escravos pertencentes a senhores de engenho tinham como padrinhos outros escravos ou lavradores; escravos de lavradores eram apadrinhados por carpinteiros… Aqui também a hierarquização segundo a cor na sociedade escravista teve seus efeitos. Dos 32 pardos livres que serviram de padrinhos, quase 70% apadrinharam crianças negras. Crianças pardas livres eram mais propensas a ter padrinhos brancos do que pardos, e quase nunca negros. A cor portanto, era uma característica adicional que influía juntamente com a condição social de livre ou escravo, na escolha dos padrinhos.” Stuart B. Schwartz – Segredos Internos pág. 332.
RELIGIÃO DOS QUE VOLTARAM
“O que impressionava os missionários católicos ao chegarem à costa da África era aquele igual respeito que os africanos abrasileirados tinham pela religião que adotaram na América do Sul como pela que conservavam de seus ancestrais …O abade Laffitte acrescentava que os ‘brasileiros’só tinham de cristão o batismo e que continuavam prazerosamente a invocar as divindades negras…notava ele, esses brasileiros não queriam ser tratados como negros. Os fiéis seriam, assim, todos nagôs de origem, que retornaram do Brasil.
Este ponto é extremamente importante, porque demonstra como a religião católica era identificada com os brancos, que desfrutavam na Costa da África de certo número de privilégios; numerosas profissões de fé entre os ‘brasileiros’e outros convertidos repousavam nas vantagens sociais que provinha de sua condição de cristão, mais que uma adesão sincera e profunda aos dogmas da igreja… O batismo é como uma espécie de liberação que faz o filho do escravo como filho do senhor. Essa influência do cristianismo foi tão forte que, mesmo na língua dos nativos, os nomes de branco de cristão, são sinônimos de senhor e de livre; enquanto que negro e pagão equivalem a servo, escravo. No Daomé, sobretudo, chama-se branco a todos os cristãos, mesmo que sejam negros como ébano” Fluxo e Refluxo Pierre Verger pág. 601.
Dificuldade da Volta
…”Numerosos africanos self emancipated vivem nas principais cidades do Brasil, para onde foram mandados outrora da baía de Benin; eles estão muitos desejosos de voltar para Lagos. Por um lado, são instigados pelo governo brasileiro a emigrar; por outro lado, impedem-nos de fazê-lo as exigências exorbitantes dos funcionários do governo e as dificuldades para obter passagens através do oceano em corvetas outras que as portuguesas, a bordo das quais são mui maltratados; eles não estão ao abrigo do risco de serem desembarcados contra a vontade em Uidá, ou em outro lugar qualquer, onde seriam imediatamente apanhados, reduzidos de novo à escravidão e os seus bens a bordo tornar-se-iam propriedade dos capitães e imediatos portugueses.” Fluxo e Refluxo – Pierre Verger pág. 613 (cônsul britânico em Lagos Benjamim Campbell – 1853).