O MICARETA

 

Ainda dá tempo para se montar um mosaico, com as peças ainda existente, e mostrar um retrato do Micareta de Terra Nova.

As peças desse mosaico estão espalhadas, espelhadas nas fotos; na memória de algumas pessoas, mas com capacidade de visão reduzidas. São a elas que recorreremos para identificar nas fotos carcomidas pelo tempo, e também nas suas lembranças: os foliões parceiros de cordões; adversários de clubes; foliões de quem ouviu falar; e sua própria vivencia naquela folia enlouquecedora.

Com certeza faremos esse retrato, com a colaboração das memórias de: Jacy Bezerra, Niêta Portela, Jonas Coutinho, Mocinha Barbosa, Leonor Coutinho e sua irmã Lurdes dos Santos e tantos outras pessoas, que naturalmente surgem no caminho.

A micareta era três dias de folia, que começava num domingo e terminava na terça-feira, véspera da quarta-feira de cinza. No sábado, pela noite, os blocos desfilavam pelas ruas, sem fantasias; o segundo dia desfilava pelas ruas que não passara no primeiro dia expressou-se dona Jacy Bezerra.

No início da década de 50 havia dois clubes que se rivalizavam, o Riso entre Flores e o Viver Só Assim. Tinha mais o Motorista. Os dois primeiros somente mulheres desfilava, enquanto Motoristas era só homens.

Esses eram cordões de uma época mais recente, mas para uma terra que mostra com fotos situações dos anos 40, é que esta folia precede de décadas anteriores, muito provavelmente chegados com mesmos nomes batizados no passado.

Deixa Falar, Me Leva Meu Bem, Os Trinta, Pastorinhas, Os Marinheiros, Império do Samba, Fala de Nós Quem Tem Paixão, Embaixada.

No meio da folia tinha também batucadas, formada por um grupo pequeno de pessoas, e que saiam por vários anos; tinha as caretas individuais. Normalmente, tanto as batucadas como as caretas saiam pela manhã com seus folguedos pelas ruas, na parte da tarde, fantasiados ou não, acompanhavam dançando o desfile dos blocos.

Foto. No. 1

Foto. No. 1

 Nessa foto No. 1, tirada em abril de 1940, mostra a fantasia do bloco Me-Leva-Meu-Bem. A fantasia era denominada de Cartas de Baralho.

Foto No.2,  Império do Samba

Foto No.2,  Império do Samba

Foto No.3

Foto No.3

As fotos de números 2 e 3, tiradas no mês de abril de 1940 as meninas são do Império do Samba, fotos tiradas no Dornel, em frente à casa de Seu Aurélio Cerqueira.

Na foto 2 estão: Detinha Câmara, Santinha, Lurdes (irmã de Seu Aurélio) e Lurdes Câmara. A foto 3 a foliã é Santinha.

Foto No.4

Foto No.4

Bloco Os Marinheiros em Folia (foto no.4), ano de 1938 ou 40, mais provável 1940.

Foto No 5

Foto No 5

Porta-estandarte do Bloca Amantes da Farra – Jaime Fobia.

O estandarte estampa um violão.

Foto No 6

Foto No 6

Eduardo (Duque) e Jaime Fobia Porta-estandarte do Amantes da Farra, abril de 1940.

Foto No 7

Foto No 7

Foliões do micareta, uma foto próxima ao antigo cine Brasil, hoje Fórum.

Foto No. 8, Riso Entre Flores

Foto No. 8, Riso Entre Flores

Foto No.9 – Riso Entre Flores- Foto defronte ao Clube do Riso, destaca-se Romani e Didi Teles; a imagem mostra também os trilhos do ramal da usina.

Foto No.9 – Riso Entre Flores- Foto defronte ao Clube do Riso, destaca-se Romani e Didi Teles; a imagem mostra também os trilhos do ramal da usina.

Foto No. 10 –

Foto No. 10 –

Foto No. 11 – Riso Entre Flores identifica-se Florisvaldo Leite e Idelfonso

Foto No. 11 – Riso Entre Flores identifica-se Florisvaldo Leite e Idelfonso

Foto No. 12 – Amantes da Farra

Foto No. 12 – Amantes da Farra

Foto No. 13 –

Foto No. 13 –

Foto No. 14 –  Carro Alegórico do Riso

Foto No. 14 –  Carro Alegórico do Riso

Foto No. 15 – Carro Alegórico do Viver Só Assim

Foto No. 15 – Carro Alegórico do Viver Só Assim

Foto No. 16 – Caretas

Foto No. 16 – Caretas

Foto No. 17 –

Foto No. 17 –

Depoimentos sobre a Micareta.

Os depoimentos terão como base as fotos, predominantemente do ano de 1940, que estão relacionadas nesse trabalho, como também informações repassadas com base na memória dos depoentes.

 1 – Jaci Bezerra – nasci em Capimirim em 25, quando tinha nove meses minha família mudou-se para Aratu; quando vim para Terra Nova fomos morar no Caípe, menina, tinha 11anos.

A foto no1 o grupo e do Bloco Me Leva Meu Bem, cuja fantasia era Carta de Baralho; a menina fantasiada é Hilta, irmã de Venina de seu Pedro Gonçalves [Comerciante que tinha uma loja, numa posição recuada do lado da hoje Cesta do Povo], a última é Alzira, Maricota West junto de Mirian [filha de José Marcos Teixeira], Vindu [filha de seu Avelino Firmo], Lindalva e a segunda,

Gina e Lurdes [irmãs dona Leonor e de dona Guiomar]. O bloco era de seu Landulfo e seu Dantas, Tomazinho.

O bloco Amantes da Moda veio de Santo Amaro para desfilar aqui.

As Pastorinhas era um bloco criado por dona Almerinda. Saia da Rua de Baixo [Rua de Pepeu, dona Almerinda tinha um Armarinho em casa, no dia da feira botava uma banca dentro do mercada com suas miudezas].

A foto no 2 mostra uma parte dos participantes do Império do Samba; estão na foto Detinha Câmara, Santinha, Lurdes e Lurdes Câmara. Detinha Câmara casou com Albertino, com quem teve dois filhos, deixando-o viúvo. Lurdes irmã de seu Aurélio Cerqueira, casou com Antenor Bacelar, [Lurdes Câmara se tornou comadre de Santinha por batismo da primeira filha desta].

No Império do Samba siam: Eu [Jaci], as quatro já citadas, Das Dores de seu Dantas, vinha também, para desfilar, moças de Santo Amaro, que seu Dantas trazia. A Porta-estandarte era Lurdes de Santo Amaro. A fantasia era verde e rosa, com aplicações de flores. Eram responsáveis pelo Império: Ermelino Teles, Zinho Pacheco e Albertino.

O Amantes da Farra, quando conheci tinha uns 14 anos. Saíram meus irmãos Vavá e Tavinho, Honório, Zé Ligeiro, Zé Hermógenes, Elísio. O dono era Emiliano, que comandava com o apito, ele casou com Linda filha de dona Senhora e seu Rosalva e irmã de Aloisio Souza.

A fantasia do Amantes da Farra era de lumiere listrada. Seu baile era no salão do cinema Brasil [hoje o Fórum]; a orquestra vinha de Salvador, era da polícia, um parente de seu Dantas tinha um amigo na polícia.

Eu estava pequena quando saiu o Embaixada, resto, uma espécie de dissidência dos Trinta, criado por Landulfo, Luiz Pacheco, Carlito Pacheco. Desfilaram no

Embaixada: Julinha – minha irmã, Das Dores de Seu Dantas.

Cantiga da Embaixada: Nós somos a sobra/Queremos também farrear

                                         A sobra menina/ Tem mais vitamina.

                                        Queremos também farrear.

Gina saiu na Sobra.

Os Trinta era composto por trinta homens e trinta mulheres; parte dos homens saiam aos pares montados a cavalo – Albertino e Bartolino (irmãos), Zinho Pacheco, Custódio.

Fala de Nos Quem Tem Paixão era outro terno daqui isso foi muito antes, eu era criança; saia da Rua da Quinta Feira; Santinha saia nele, foi logo que cheguei aqui. Saia Pequena [filha de dona Elisa], as filhas de seu Felipe Acácio.

Fui a uma festa no Trapiche de Seu Aurélio [ainda resta as ruinas]

O Riso Entre Flores

 

Foto No. 18

Foto No. 18

Temos esta foto do Riso exposta no Espaço Bangüê, tirada, me, parece dentro do espaço do clube.

É uma foto histórica em que se identifica praticamente todas as meninas, entretanto, poucas ou quase nenhuma deixou, na sua terra, vínculos familiares para buscar fatos que forma uma história. Essa é uma característica marcante em Terra Nova, seja as famílias se vão se desvinculando das coisas da terra, se não voltam para alimentar sua própria história e de suas raízes, as suas vivências desaparecerão pouco a pouco, à medida também que as poucas pessoas que podem falar sobre esse passado vão, naturalmente, ficando com a visão e memória reduzida.

Do Viver Só Assim, não temos uma foto igual à do Riso com todo o grupo de participantes, mas temos o cordão desfilando na rua com seu carro alegórico.

Foto No. 19

Foto No. 19

Vamos analisar essas duas fotos tiradas no início da década de 50, provavelmente mês de abril.

Com certeza se esse texto fosse produzido a dez anos atrás, a disponibilidade quantitativa de pessoas para responder ao questionário sobre o assunto seria muitíssima maior, pois, existiriam outras prováveis informantes na idade e com as condições físicas e memória de dona Jaci Bezerra, junte-se também a estas as participantes dos blocos.

Como o tema não deve ser considerado como, esgotado, fechado, o desafio é identificar e localizar algumas dessas meninas, hoje senhoras como Niêta, Zorilda e Zulmira Braga, Mimi (Mimi de dona Pergentina), Zelinda Pacheco, Vera e Ceinha (filhas de Florisvaldo Leite), para falar sobre suas experiências como participantes e apreciadores.

A disputa entre os dois clubes era acirrada; as fantasias eram feitas ás escondidas e com muito sigilo. O ano em que desfilaram com carros alegóricos então foi muito marcante. E foi assim que nos contou dona Jacy Bezerra, com sua alegria e convicção dos seus 91 anos: Seu Avelino fez um carro escondido, acho que foi em Seu Henrique Teles [fazenda Bom Gosto], o carro desfilou já no primeiro dia; no dia seguinte Didi Teles providenciou em Salvador um carro, dizem que ele alugou o dos Inocentes e colocou para desfilar nas ruas. São as imagens expostas das fotos números 14 e 15.

Naquela época, na véspera- sábado de noite os blocos e cordões desfilavam pelas ruas, sem fantasia. No segundo dia [segunda feira] visitava as casas, e as ruas por onde não passaram.

Acrescentamos as lembranças de um personagem, na época (início da década de 50) uma criança de 8 a 9 anos: O ambiente do micareta é de alegria com orquestra tocando alto e local enfeitado (teto) e mesas com serpentinas coloridas. O cheiro no salão era de lança perfume. Todos os participantes/foliões estavam vestidos de fantasias coloridas com enfeites de várias modalidades na cabeça.

Obs.: Essa visão aera de criança que ficava na entrada do clube observando a entrada das pessoas – Clube Riso Entre Flores.

No Mercado era baile do cordão “Os Motoristas” com maioria negra também muito animada. Esse baile ficávamos mais tempo observando porque ficava perto de casa.

Como criança participava do baile Infantil no Riso Entre Flores e no do Viver Só Assim.

Todo carnaval as crianças se fantasiavam para participar do baile e passear na rua.

 

2 – Jonas Coutinho – Jonas era, até pouco tempo um folião, que não perdia o dia do Carnaval de São Bento. Como nos disse, além de fundador do Vasco Esporte Clube, foi quem criou o bloco Turma Motoristas em Folia – Os Motoristas.

Cheguei em Terra Nova no dia 14.01.46, vim da fazenda Camaçari – Teodoro Sampaio, filho de Horácio Coutinho e Maria Angélica, nasci em 10.10.28; trabalhei 2 anos com Zé Galdino e 2 anos com Seu Bida; em 1949 fui para Usina, depois para Petrobrás em 22.12.1961 onde me aposentei.

Quando cheguei aqui em Terra Nova já existia os Amantes da Farra e o Balancê [O Balancê ainda não tinha sido citado].

O Balancê era de um ferreiro de Caraconha, de onde saia; tinha também o de dona Almerinda; o baile dos Amantes da Farra era no Mercado na parte da farinha.

Turma Motoristas em Folia – Os Motoristas, foi fundado muito depois de ter chegado aqui, depois entrei na garagem, fundamos, eu Zé Santana (Zuca), Mundinho Fiuza – Mundinho da Garagem e outros participantes; Aniel era o Porta-estandarte, Bujão era o Trenel [o homem do apito].

O baile dos Motorista, assim como o dos Amantes da Farra era, também, no Mercado, na parte da frente, no lado – parte dos açougues se instalava a orquestra; a porta ovalada que ligava a parte da farinha á parte da frente [barraca de doce de Dona Eliza do mingau; armarinho de Dona Almerinda], era fechada com folhas do dendê. A orquestra era da polícia de Salvador ou vinha de Feira de Santana; nos ensaios tocava um musico de São Bento.

 

O Fim do Micareta

 A Televisão chegou à Bahia em 1960, Terra Nova se tornou município em 1961. É como se nascessem juntos. Enquanto a TV desenvolvia-se com o objetivo de tornar as manifestações populares um produto comercial, e com isso torná-lo atrativo para patrocínios, o novo município penava para manter a folia que vinha de longo tempo. Para isso propôs promover a micareta, agora contratando trios elétricos, que tocavam pelas ruas e as pessoas fantasiadas ou não, formavam multidões dançando e pulando atrás do trio. E lá iam as caretas, as mortalhas, homens fantasiados de mulheres pulando e cantando no ritmo do Trio.

Aí uma diferença: na micareta tradicional, os cordões puxavam a orquestra ditando a música; o trio dita a música puxando a multidão.

O propósito dos gestores do município era, que de alguma forma houvesse um retorno financeiro indireto através do Comércio.

As cidades grandes se apropriaram-se da micareta tornando-a um carnaval fora de época. Não precisava mais dos cordões, bastava fazer a divulgação, contratar bandas de clamor popular, botar na rua para tocar, que a comunidade movida a bebida, substituía os cordões. Assim os grandes municípios preparam seus calendários momesticos, sem choque de datas para que um não atrapalhe o outro.

E ficou tudo bem dividido: Carnaval na capital e a micareta, com calendário, no interior. A micareta como o carnaval virou um negócio, propaganda diversas digna dos grandes produtos: outdoor ao longo das estradas; chamadas nas TVs e Rádios.

A televisão também tornou as festas juninas em produto econômico, diferenciado da micareta pelas músicas (letras e ritmos) mais típicas; e pela maneira de participação das bandas, enquanto na micareta circulam pelas ruas, no São João tocam paradas em palcos instalados nas praças.

Como a micareta de Terra Nova era em maio e a festa junina no mês seguinte, a prefeitura não tinha recurso para investir em dois eventos tão próximos. Alie-se, o fato da micareta ser um feriado municipal, consequentemente contava quase que exclusivamente com o público residente, em contrapartida o São João é um feriado estadual tornando possível atrair muito mais gente.

Foi daí que veio a pá de cal para a micareta terranovense. Foi mais ou menos assim que ouvimos do professor José Wilson, na época diretor de colégio:

Eu era o produtor de eventos, resolvi com o aval dos comerciantes, fazer o São João na Praça, enfeitando-a com bandeiras e colocando barracas no seu entorno. Isso ocorreu em junho de 1983.

O município fez a sua opção, entre um e outro evento (S. João versus micareta): ficou S. João.

Repetimos o que foi dito lá atrás: como o tema não deve ser considerado como, esgotado, fechado, o desafio é identificar e localizar algumas dessas meninas, hoje senhoras como Niêta, Zorilda e Zulmira Braga, Mimi (Mimi de dona Pergentina), Zelinda Pacheco, Vera e Ceinha (filhas de Florisvaldo Leite), para falar sobre suas experiências como participantes e apreciadores.

 

1 Resultado

  1. 2 de fevereiro de 2017

    […] trabalhadores e patrões criaram seus ambientes de distrações, suas comemorações, (Cinema, Micareta e Futebol […]

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